segunda-feira, 13 de maio de 2013

Nossa Janela


Queria encontrar os comandos certos para poder abrir uma fenda no meu coração e deixar que as palavras jorrem diretamente de lá, ensopadas de sangue e verdade. Queria descobrir a técnica exata para rasgar os meus olhos de forma que pudesse ficar sentenciado a forma ideal de escuridão: aquela que permite ver com mais clareza. Queria encontrar a delicada costura que prende o oxigênio aos meus pulmões, e após soltá-la, deixar que minha alma escape junto com o ar que me abandona, deixando meu corpo falho de humano para ser decomposto sozinho.
Mais do que isso, eu queria te alcançar do outro lado da cama. Os centímetros de colchão parecem mais com milhas de um longo e tortuoso caminho. As pontas dos meus dedos roçam o teu corpo adormecido, e então, ensaiam uma carícia, puxando delicadamente a alça da tua camisola de tecido diáfano, que se funde com a luz sutil que penetra pela janela. Nossa janela. Não sei quase nada sobre o teu dia, não sei com quem você almoçou, não foi compartilhada comigo a piada que você ouviu mais cedo no trabalho. Talvez não saiba mais quem você é. Mas sei que aquela janela por onde entra a luz é a nossa janela. Nossa. Sei mais coisas, e que eu sei é ainda pior: sei que faz muito tempo desde a última vez que fizemos algo pela primeira vez. Faz muito tempo desde a última vez que cruzamos a distância daquela cama. Da nossa cama. E eu sei coisas ainda piores sobre nós dois, mas ensinei a mim mesmo a maneira exata de ignorá-las.
Eu sei, também, a ciência exata da tua respiração. Eu sei o compasso, a frequência e o arquear dos teus ombros. Aprendi anos atrás como os movimentos ficam mais lentos quando você está adormecida. Posso vê-la dormindo mesmo quando estou de olhos fechados. A respiração vigorosa e veloz, e então, quando você finalmente se entrega ao sono, os movimentos longos, lentos e fluidos. Antigamente, quando a maior distância entre nós ainda era a física, costumávamos falar sobre a maneira como você respirava ainda mais lentamente que a maioria das pessoas enquanto dormia. Eu chegava até mesmo ao ponto de te acordar, preocupado, e você ria disso, e ria, e ria, e ríamos, e era como se os nossos corpos estivessem colados, como se não houvesse maneira de nos manterem longe um do outro.
Naquela noite, em que eu tentei puxar a alça da sua camisola, você não respondeu aos meus movimentos porque estava dormindo. Sua respiração, porém, estava mais veloz do que nunca.
Eu quero abrir uma fenda no meu coração e deixar que jorrem as palavras certas para te trazer de volta para perto. Eu quero rasgar os meus olhos para poder te ver como você é de verdade, cercada pela escuridão. Eu quero que a minha alma se misture ao ar que eu expiro para que você possa me respirar. Então, eu posso oxigenar teu sangue e correr por dentro do teu corpo, mais perto de você do que nunca estive antes.

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