Através das paredes finas dos cortiços, grudado aos degraus de mármore
das igrejas colossais, por entre as saias das moças que passeiam diariamente
pelo largo, flutuando nas poças de água suja, havia o silêncio. Impregnado nas
paredes podres das habitações miseráveis, nos corpos lançados nas valas de
indigentes, nos pescoços perfumados das senhoras, nas coxas raladas das
prostitutas, na madeira dos cortiços, nos portões de ferro batido das mansões,
havia o silêncio.
Construída com paixões e ambições, sobre uma fundação de sangue e segredos,
decorada com mentiras e desejos, havia a cidade. Desde as habitações miseráveis
que se amontoavam em torno do cais, passando pelos palácios de paredes e almas
decadentes, até as mansões modernas, malditas e luxuosas, o silêncio se
alastrava, como as colunas que sustentavam aquela catedral monstruosa e
ricamente decorada de mistérios. Todas as almas perdidas daquela cidade se
movimentando ao som do balé do Silêncio, que talvez deva ser escrito com S
maiúsculo, já que parecia ser o único deus a vigiar a sorte daquele lugar. Nos
Seus braços recebia as almas condenadas, as velhas de ossos gelados, as jovens
desiludidas, os bêbados, os banqueiros, as putas, os padres, os livres (embora
ninguém ali estivesse de fato livre), os desonrados, os barões, as senhoras
respeitáveis, seus amantes de rostos imberbes. No Silêncio tudo tinha o seu
princípio e o seu fim.
Caminhando por aquele local perdido, que parecia se encontrar em cada
esquina e em cada estátua depredada, poucos podiam ouvi-Lo. Cantando sua música
inaudível, sua orquestra invisível, ele permanecia envolvendo a tudo, como um
manto sufocante e protetor. Como a névoa que se insinuava pela manhã, tocando a
tudo com seus dedos pegajosos, e como a escuridão que encerrava o terror e as
maravilhas durante as noites, ou como o tempo, que encerrava em si mesmo e nos
prédios imemoriais segredos de eras, o Silêncio catalisava cada átomo, envolvia
cada corpo, abençoava cada ação, calculada ou desesperada.
Havia o amor, havia a morte, havia a decadência, havia a vida, havia a
podridão. E havia o Silêncio.
O Silêncio das coisas que eram e não são mais, das que ainda deveriam ser
e não são e das que são e não deveriam, de todas as coisas amaldiçoadas a serem
algo algum dia, o Silêncio de todas as coisas que poderiam ser, mas não serão
nunca.
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