As batidas do meu coração ecoavam em explosões ensurdecedoras. O som se
espalhava pelas monstruosas paredes pedregosas e se perdia no nada de névoa e rajadas
de vento que se descortinava após a beirada do precipício, enquanto eu me
aproximava lentamente. O meu fluxo sanguíneo corria tão rápido e selvagem que em alguns
momentos me ludibriava e eu podia jurar que havia um rio lá embaixo, as suas águas
caudalosas e indomáveis beijando as brumas pegajosas que se grudavam em cada
superfície do penhasco.
Talvez houvesse mesmo um rio lá, além da parede de neblina. Talvez eu
encontrasse meu túmulo entre correntes diáfanas de água, meu corpo sem vida arrastado
eternamente pelo curso. Talvez eu encalhasse em algum obstáculo e
ficasse eternamente preso naquele trecho, sob gigantescos palácios de névoa, com a
borda do precipício a me vigiar como um animal de guarda feroz. Talvez meu
corpo seguisse pelo rio até o oceano, onde poderia ser admitido nos salões de
algum deus pagão do mar, vivendo eternamente numa corte de animais marinhos e
navios naufragados. Talvez.
A única certeza era o vazio que se abria diante de mim. Eu fiquei um
longo tempo lá, esperando, em pé a poucos metros da queda que parecia infinita.
Dizem que o ser humano só está realmente pronto pra partir quando aprende o suficiente
da sua passagem na terra. Ali, entre grilhões de névoa e pináculos de rocha, eu
aprendi mais do que em toda minha vida anterior. Aos poucos eu percebi que
aquele silêncio de catacumba carregava uma coleção de sons ensurdecedores
dentro de si. O vento cortante passou a explodir em uma centena de diferentes
acordes, contando em sua música histórias que eu ouvia desde meu nascimento,
mas que nunca tinha realmente parado para notar. A névoa e a rocha do penhasco
se tocavam da forma mais sutil e íntima que eu já vira na vida, e ao mesmo
tempo de uma maneira carregada de tristeza, como se fossem dois amantes fadados
a viverem eternamente abraçados, porém sem possibilidade de consumarem seu amor, por serem tão
diferentes. A grama rala que crescia sob meus pés, os raios de sol esporádicos
que furavam a barreira de pedra e bruma, tudo ali me contava uma história diferente,
que abria meus olhos para um mundo totalmente novo.
E por trás de tudo aquilo, eu ouvi o chamado do vazio. Milhões de vozes
berrando no silêncio. Eu sabia que aquele vazio seria o último descanso para
minha alma quebrada. Eu era um indigente, um número, uma estatística. Caminhara
até aquele penhasco movido pelo desespero. Um náufrago no mar do sofrimento. Um rosto na multidão. Fui até lá procurando a morte nas
profundezas do vazio. Em vez disso, encontrei vida.
Aprendi o suficiente para abandonar a minha existência. E no sentido de morrer, aprendi o de viver.
Abri meus braços, respirei o ar frio e limpo. A névoa beijou meu rosto como uma
mãe zelosa. Deixei meus pés atravessarem os poucos metros que faltavam. Senti a
borda do precipício com eles. Atirei-me em direção ao nada e fui recebido pelos
seus braços amorosos. Ergui meus olhos em direção ao céu que girava e senti
finalmente o que era pertencer ao meio.
E então, eu caí em direção à eternidade.
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