domingo, 9 de junho de 2013

Dia

Era dia.
O amanhecer sempre terminava por alcançar aquelas ruas irregulares e esburacadas. As nuvens sempre pareciam meio sujas e o ar meio estagnado, mas não naquelas primeiras horas de dia claro, quando o céu ficava indeciso entre um negro azulado e uma cor que feria os olhos de tão brilhante. O ar de repente adquiria uma pureza bucólica, os jornais com que os mendigos se cobriam pareciam muito mais quentes e aconchegantes, a verdade parecia muito mais simples e entendível. Aos poucos a luz do sol avançava, no começo com a timidez típica de um jovem que despe a amada pela primeira vez, e de repente, rompia a noite com a segurança dos amantes experientes. Irrompia violenta, jogando uma nova clareza sobre o desespero que crescera durante a noite, cegando alguns pobres diabos e iluminando novos caminhos. As estrelas esvaneciam e os bêbados caminhavam pelas calçadas procurando os seus lares. As primeiras donas de casa à saírem da cama abriam as suas janelas uma por uma, deixando que a manhã tomasse conta dos cômodos. As prostitutas cruzavam com os trabalhadores diurnos, conforme elas voltavam para casa depois de uma longa e dura noite e eles saíam para suas jornadas. Na costa, os faróis apagavam suas lanternas.
Era dia.
Era dia por muitas horas, mas nada era tão Dia, com dê maiúsculo mesmo, do que aqueles primeiros minutos, em que o sol lutava com a lua pelo céu. As poucas almas que se encontravam habitando as ruas podiam enxergar como aquele momento era diferente. Alguns mendigos acordavam com a mudança de ares, os bêbados tropeçavam menos e as prostitutas sorriam através de máscaras de cansaço. Os operadores dos faróis sorriam aliviados com o fim de um longo ciclo, enquanto os presidiários assistiam esperançosos os primeiros raios de luz perfurarem a escuridão podre das celas em que estavam jogados. A própria noite parecia suspirar de deleite, conforme recolhia suas sombras e se despedia das estrelas, que sumiam no céu enfumaçado. Os escritores contemplavam o trabalho da noite anterior sob a perspectiva do sol, e logo depois se recolhiam para descansar depois de horas de esforço árduo. A própria morte parecia se conter, incapaz de tomar almas durante aquele momento único, em que o céu ficava indeciso entre a luz e a treva.

Era uma festa silenciosa. Finalmente, era Dia. Assim mesmo, com dê maiúsculo.

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